Você já viu cabeça de bacalhau?
Pedro Marques
18/04/2019 17h18
Cabeças de bacalhau postas para secar no frio norueguês (crédito: Marius Fiskum/Divulgação)
Essa semana, um amigo que mora fora do país me disse que TINHA que ir ao Mercado da Cantareira para comer um sanduíche de mortadela. Falei pra ele que tinha coisa melhor para fazer na cidade, mas ele disse que era tradição – sempre que ele está por aqui, vai com um de seus tios encarar o exagerado sanduba.
O que mais me chamou a atenção na história toda foi a palavra "tradição". Porque é justamente ela que dá o tom das festas nesta semana. E é em nome da tradição que as pessoas se reúnem em torno da mesa para comer bacalhau, seja na Sexta-feira Santa ou no domingo de Páscoa.
Via de regra, o pescado é mais consumido no Brasil em datas festivas, como a Páscoa, claro, e Natal – ao contrário de Portugal, país do qual herdamos o hábito de comer bacalhau, onde o peixe está sempre presente nos cardápios. Por não ser um ingrediente que está sempre à mesa, há uma série de lendas em torno do peixe. Como, por exemplo, se bacalhau tem cabeça.
Eis uma légitima cabeça de bacalhau (crédito: Pedro Marques)
Pois digo com certeza que o bicho tem cabeça (e a foto acima não mente). E aproveito para contar algumas curiosidades sobre o peixe. Há alguns anos, tive a oportunidade de visitar a trabalho a Noruega, principal produtor de bacalhau do mundo. Antes do país escandinavo descobrir os poços de petróleo que hoje garantem sua riqueza, a pesca era uma das principais fontes de renda dos noruegueses.
A coisa lá é bem séria, com um rigoroso controle do volume pescado anualmente, para garantir que os estoques do peixe se mantenham estáveis. A pesca é feita com redes deixadas pelos pescadores de manhã. À tarde, eles voltam para buscar os peixes que foram capturados e os levam para fábricas, onde são processados.
As cabeças são separadas e um time é responsável por remover as línguas. Isso mesmo, língua de bacalhau é uma iguaria norueguesa, grelhada e comida com batata e outros acompanhamentos. Uma parte dessas iguarias é salgada e vendida para Portugal e Espanha. O que sobra da cabeça é colocada para secar ao vento e o frio. Depois são processadas até virarem uma farinha, que é vendida para países africanos – essa farinha é usada para engrossar sopas e cozidos.
Língua de bacalhau com batatas, uma iguaria norueguesa (crédito: Marius Fiskum/Divulgação)
O restante do peixe é limpo, para então receber uma generosa quantidade de sal. Ele é acomodado em caixas e descansa por alguns dias. Depois é posto para secar e é embalado, até chegar aos mercados e empórios do mundo. Uma parte do bacalhau, no entanto, não é salgada e seca – é embalada fresca e vendida com o nome de skrei, outra iguaria encontrada basicamente na Noruega. Costuma ser grelhada e tem sabor bem suave e amanteigado.
Aliás, o "bacalhau do Porto" vem do país escandinavo. O nome vem de tempos remotos, em que pescadores portugueses zarpavam da cidade lusa para capturar os peixes – hoje isso não acontece mais. Há também outros peixes vendidos como bacalhau, mas eles são de outras espécies, como ling e saithe, e vêm do Oceano Pacífico. São mais baratos e normalmente são vendidos desfiados – o que é ótimo para fazer bolinhos e escondidinhos, por exemplo.
Agora você já sabe de onde vem o bacalhau que vai comer neste fim de semana, seja ele em postas, desfiado, com batatas ou qualquer outra receita que sua família costuma preparar para a data. O importante é manter a tradição.
Sobre o autor
Pedro Marques já trabalhou em redações e restaurantes, viajou bastante pelo Brasil e pelo mundo para comer e beber bem e trabalha como jornalista de gastronomia desde 2010.
Sobre o blog
Aqui você fica sabendo sobre as coisas mais “daora” dos bares e restaurantes de São Paulo! E outras nem tão daora assim.